Modificado de: Reportagem de Ruth Costas, Revista Veja, Edição 1969, 16 de agosto de 2006
O cão é o melhor amigo do homem há 12.000 anos. Nenhuma amizade duraria tanto se não fosse construída numa base de compreensão mútua e companheirismo. O animal vive em nossa casa, ajuda no trabalho do campo, serve de vigia, brinca com as crianças e nos recebe com festas no fim do dia. Enfim, é praticamente um membro da família. Não é difícil entender por que muita gente, encantada com as habilidades do animal, se deixa convencer de que seu bicho de estimação compartilha sentimentos tipicamente humanos, como ciúme, inveja, vaidade, etc..
Bem, para início de conversa, é bom dizer logo que cão não pensa, pelo menos não da mesma forma que nós humanos. A noção de pensamento está ligada à capacidade de conceituar e abstrair o mundo que nos rodeia e “Por esse critério, só o homem é capaz de pensar”, observa Renato Sabbatini, neurocientista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e fundador do primeiro laboratório a estudar as bases neurológicas do comportamento animal no Brasil.
Já inteligência é outra história. Uma definição bem aceita de inteligência seria a capacidade de resolver problemas empregando processos cognitivos como memória, aprendizado, raciocínio e comunicação. Com certeza o comportamento dos cães demonstra fortes indícios de inteligência. É curioso, mas só nos últimos anos a ciência passou a estudar a fundo a mente do nosso amigo peludo. De 1970 a 1995 foram publicados entre cinco e dez trabalhos científicos sobre cachorros, segundo o antropólogo americano Brian Hare, do Instituto Max Planck, em Leipzig, na Alemanha. De 1995 para cá foi quase uma centena!
Dr. Hare aponta três grandes descobertas sobre o universo canino nesse período:
• A primeira é que a relação de confiança e companheirismo que une o cachorro ao homem é realmente bastante forte. Pesquisas feitas na Universidade Eotvos Loránd, na Hungria, mostraram que, ao ser colocado diante de dois vasilhames, um vazio e outro com pedaços de salame, um cachorro prefere seguir uma indicação humana que o leve a procurar alimento no recipiente vazio a confiar no próprio olfato e se dirigir para o recipiente cheio.
• A segunda descoberta é que o cão é o animal que melhor interpreta o homem. Um grupo de cientistas húngaros liderados pela bióloga Zsófia Virányi replicou com cachorros uma experiência que havia sido feita com chimpanzés na Universidade da Louisiana, nos Estados Unidos. Os animais foram colocados na presença de duas pessoas comendo sanduíche, sendo que uma estava olhando para os cachorros e a outra não. Os cachorros só pediram comida a quem podia vê-los, enquanto os chimpanzés não conseguiam perceber a diferença.
• A terceira constatação é que a capacidade de aprendizagem do cachorro é ainda maior do que se pensava. Há dois anos, cientistas do Instituto Max Planck estudam um cachorrinho da raça Border collie que já decorou o nome de 200 objetos. Em uma experiência, foram colocados oito objetos em uma sala, sete dos quais ele conhecia. O dono então pediu ao cachorro que trouxesse o objeto cujo nome ele não sabia. Em sete de dez tentativas, Rico trouxe para o dono o objeto certo, de nome desconhecido, numa evidência de que os cachorros são capazes de aprender fazendo um raciocínio de exclusão.
A habilidade de responder prontamente ao menor gesto ou aos sinais de alteração de humor de uma pessoa faz com que se tenha a impressão de que o cachorro é capaz de entender como seus donos pensam. “Na realidade, o cão não consegue interpretar os pensamentos e sentimentos do homem, apenas responde aos sinais externos emitidos por ele”, disse à VEJA o psicólogo americano David Premack, especialista em comportamento animal da Universidade da Pensilvânia. Uma pesquisa feita no ano passado pela americana Alexandra Horowitz, da Barnard College, em Nova York, concluiu que os caninos têm uma forma muito rudimentar da chamada “teoria da mente” – que se refere à habilidade de um indivíduo de se colocar no lugar do outro. Eles são capazes de projetar no homem percepções e intenções, desde que isso dependa apenas de uma análise do ambiente que os cerca. Por exemplo: um cão consegue avaliar se determinada comida está fora do alcance de seu dono, para roubá-la sem ser notado, e pode tentar pegar a comida antes, se perceber que a intenção do dono é disputá-la.
Os cães têm apenas emoções simples, como alegria e tristeza. Para sentir vergonha ou culpa seriam necessários raciocínios complexos e julgamento de valor, que eles não são capazes de fazer. Por isso, também não adianta esfregar o focinho do cachorro na bagunça e gritar com ele, para que aprenda a não fazer mais isso, como muita gente acredita! O animal simplesmente não é capaz de compreender que ao apontar a bagunça você está querendo mostrar sua irritação com algo que ele fez no passado. A punição só tem efeito se ele for pego no flagra!!! “A memória de longo prazo do cachorro é limitada e não lhe permite associar a bronca com algo que fez uma ou duas horas atrás”, disse a VEJA o psicólogo americano Clive Wynne, da Universidade da Flórida, autor do livro “Animais Pensam?”.
Os cães têm uma percepção do mundo a sua volta bem diferente da humana. Enquanto 70% das informações recebidas pelo homem são visuais, os caninos se guiam principalmente pelo olfato e pela audição. A quantidade de células receptoras do olfato em um cachorro é quarenta vezes maior e seu ouvido consegue captar sons que estão a uma distância quatro vezes maior que a percebida pelo homem. Isso significa diferenças tão profundas que muitas vezes escapam à compreensão do dono do animal.
Nossas compreensões sobre eles é que devem aumentar para melhorarmos sua qualidade de vida ao nosso lado!
Uma ótima semana!
Fonte: Reportagem de Ruth Costas, Revista Veja, Edição 1969, 16 de agosto de 2006